Ela cantava o cinza, o escuro do amor que se foi, à sua frente, com outra. Ela era a dor, entre gracejo e expressões, brincadeiras de rir de si e de dona Ironia, atrevida chamada Vida. E se fazia cômica, para alquebrar o dissabor. À vontade, ela estava na sala de casa, no seu chuveiro cantando, para si mesma. De sua voz, emanam emoções e sentidos que alguns nunca irão entender.
Lidava com o improviso e o imprevisto, perfeitamente combinado sem o ser. E provocava seus músicos, em breques repentinos, dando algum colorido aos sorrisos. Solitária, ainda viva.
O microfone era opcional. Podia estar em frente à boca, ou encostado à coxa, descansando, buscando um colo às emoções que por ele passavam, vibravam tanto que mesmo o metal sentia algo.
Não queria vê-lo partir, e mais do que tudo, não ambicionava ser livre, não. Sentada, pensando nos beijos e abraço quente, quando o reflexo no copo que segurava aos lábios lhe revelou as lágrimas que escorriam em seu rosto.
Ela suava; a algia em seu grito, a agonia! Ilusão despedaçada, tarde de primavera findando em tempestade fria e solitária, impassível, antes das quatro da tarde.
Ela preferiria ser cega.
Eu jamais seria surdo.
O coração arde em bramidos e frêmitos, olhos choram, a pele sente; a alma de quem escuta, extasiada, agradece.
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Etta James – I’d Rather Be Blind (live at Montreux, 1975)