Amor à profissão, querer à vida, paixão por viver. Por sentir-se útil, por ser sol e calor ao desencanto frio que a prostração enferma traz. Estão em guerras, ao som de lamentos simultâneos e sons de explosões e gritos, cobertas por sangues que não possuem anestésicos para diluí-los. Estão em ares condicionados e pisos brilhantes, rigorosamente encerados para agrado aos clientes, possuidores do gosto refinado que os andares superiores da pirâmide os permitem desenvolver.
Existe quem caminha no vale da dor e do medo por profissão, alguns por vocação. É a legião que protege o povo das doenças e ferimentos enfrentando riscos à própria saúde, sem dispor de feriado, horário de preferência ou dia santo. São profissionais de limpeza, manutenção, atendimento, recepção, enfermagem, medicina. Pessoas que deixam seus próprios familiares para cuidar de outros. Que abdicam das próprias madrugadas de sono em proveito de quem está impotente, imerso em sofrimento, sem receber visitas. Que em dor se movem, em cansaço se levantam, por ter seu dever como razão de parte de viver.
Diante da primeira pandemia global da História, isolam-se de seus entes mais tenros ou maduros para preservá-los de sua própria exposição no centro da doença, o hospital. Transitam por UTIs e corredores como vaga-lumes de luz tênue e exausta, e contínua, porque tenaz e determinada. Se anjos existem e podem ser vistos, não usam asas ou auréolas, porque suam, cansam e choram. E seu coração bate, pulsando o mesmo sangue de que são feitos seus semelhantes.
Diante da habitual inexorabilidade do fim e a suscetibilidade que o stress de uma rotina potencialmente patogênica traz, por aqui expresso um reconhecimento por letras, à distância, do conforto e segurança de meu lar.
Vocês de verde, branco e outras cores, são um exército que oferece a própria vida ao lutar em uma guerra inversa: a de evitar o falecimento de pessoas que sequer conhecem, ao invés de causá-lo a quem nunca se viu.
O autossacrifício a outrem é a coisa mais cara e sublime que a humanidade pode produzir, em sua circunstância extrema. A Primeira Guerra Mundial Desarmada, onde a morte não é o instrumento, mas general do inimigo final.
Sempre podemos viver de um outro jeito. É oportunidade de repensar valores e sonhos.
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Espanha — sacos de lixo e máscaras doadas por empresa particular.
Inglaterra — máscaras com validade adulterada, disponibilizadas para as equipes.
Inglaterra — capuzes feitos com sacos de lixo.
Itália — enfermeira Alessia Bonari, períodos de 6 horas sem poder ir ao banheiro ou beber água, por conta das vestimentas de proteção.
Itália — exaustão física, psicológica e emocional.
Obrigado por seu orgulho pela profissão, sua paixão e amor pela vida.
Perdão por nossa vaidade pelo status, nosso afeto afoito por capitalizar.
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