— Caros companheiros de transporte coletivo, foi prazeroso algumas vezes, insosso outras tantas, e desgostoso com frequência, viajar com vossas senhorias; a tanto despeço-me, nesta última descida dos degraus, para que nunca mais outra dessa me ocorra, não que eu lhes deseje algum mal. Motorista, depois desta viro a esquina. Nunca mais lhe farei sinal.
Despeço-me da viagem circular no ônibus. Indesejo também a rotina sobre quatro rodas automotivas no veículo particular. A pé, sobre os tênis e chinelos quero andar, para ir onde bem o nariz apontar. Nada do trajeto fixo e por outros determinado à minha sina, nem o que invoca status fútil e medo de furto, que necessita de pavimentação para rodar. Vou com meu corpo, para onde apenas meu desejo pode direcionar.
Declino ao rodoviário negreiro e sua constrição de vontades, tempo e espaços, dispenso a opressão subjetiva do bem metálico fruto das propagandas elaboradas e caras. Deserdo aos sonhos de galgar o cume, onde metade do prazer é chegar ao alto, às glórias e luxos cogitados, e a outra metade está em olhar abaixo, nas almas antes irmãs, agora pisadas e servis aos seus caprichos, por ausência de alternativa a eles acorrentada.
Vou-me. Vou só, na sola do meu próprio sapato. Vou com quem o coração em meu peito, agradece-me pela companhia. No que a tradição consagra à resígnia, errado está o alforriado. “Que se lamba, que vada-se, que siga aos confins, destino sagrado aos que ojerizam o sacramentado. Que o abençoe o caminho, o enchifrado”.
— Pois me vou, de bom grado.
“Vade, diabo”.
— Vaza também tu, carroceiro de mortos esfumaçado, som de morte que afasta pássaros; fuligem de fornalha e rancor de rancores carregados. Bem serei mais venturoso, que no passeio da linha do Tinhoso.
E arremato, ao afastar que se inicia:
— Vou-me, ó ressentido e invejoso.
Xeretei o caminho que ninguém conhece, meu segredo, só meu. Hei de procurar minha alegria, algo que tu, há tanto tempo, esqueceu.
*
Segue o trajeto.
Abro picada, a tantos graus de onde o Norte aponta.